12.11.09

rumor dos fogos

se um dia a juventude voltasse
na pele das serpentes atravessaria toda a memória
com a língua em teus cabelos dormiria no sossego
da noite transformada em pássaro de lume cortante
como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida

sulcaria com as unhas o medo de ter perder... eu
veleiro sem madrugadas nem promessas nem riqueza
apenas um vazio sem dimensão nas algibeiras
porque só aquele que nada possui e tudo partilhou
pode devassar a noite doutros corpos inocentes
sem se ferir no esplendor breve do amor

depois... mudaria de nome de casa de cidade de rio
de noite visitaria amigos que pouco dormem e têm gatos
mas aconteça o que tem de acontecer
não estou triste não tenho projectos nem ambições
guardo a fera que segrega a insónia e solta os ventos
espalho a saliva das visões pela demorada noite
onde deambula a melancolia lunar do corpo

mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim
com suas raízes de escamas em forma de coração
e me chegasse à boca a sombra do rosto esquecido
pegaria sem hesitações no leme do frágil... eu
humilde e cansado piloto
que só de te sonhar me morro de aflição


de Al Berto


T, vê no teu mp3 se ainda existe uma gravação minha a ler este poema. Andava a brincar com ele a ler isto vezes e vezes sem conta. Só me ria e tinha de voltar ao início.
Tenho de entregar um trabalho de Literatura amanhã e qual não foi o meu espanto quando reparei neste poema numa das últimas páginas do livro, mesmo à espera da minha surpresa.

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