31.10.09

foi pela porta da entrada

tenho uma dor no peito que me impede de respirar. estou a tentar fazê-lo. não consigo.
dói-me o peito porque o pulmão está ferido. fumei.

" tenho muito mais em que pensar esta noite. o ar que sufoca, as palavras que não saem - mais do mesmo, o costume. sou a contradição e a tentativa louca do bom senso de possuir alguém - como eu o odeio! tento ser o equilíbrio e vou à procura das causas primeiras... mas a origem não existe, assim como não existe o fim - acabo de descobrir que estou no meio, mas porra, afinal já não estou em lado nenhum: estão por mim! mas quem são eles, quem pensam eles todos ser para estarem por mim?
admito que eu permiti que eles fossem e estivessem por mim, mas isso aconteceu - ainda acontece - porque reprimi tudo o que me ligava ao caminho certo e agora sinto-me uma puta - eu traí a minha vontade e a minha sede. pela falta de segurança, nunca pela falta de amor. sou pelo amor à vida e ao mundo. mas não fui. o que dizemos TEM que ser o que fazemos. por isso é que já não proclamo bençãos, a minha cabeça, ponho-a em jogo, o medo corrói-me - força! - e como fico frágil penso e deixo de sentir e de me ouvir para pensar, porque ser racional é que é.
se eu defender uma causa, será para me casar com ela - e crescerei e mudarei de opinião porque nunca foi sinal de fraqueza mudar. mudei e muita coisa mudou - em mim e no mundo - mas, quem diria, voltei a mudar e agora agarro o touro pelos cornos! se alguma coisa se confirmar, chamar-me-ei ao mundo. por enquanto, continuarei a ser dentro de quatro paredes - as de casa, as do meu corpo, as do meu peito, as que me calam e as que me tapam o sol. eu sei, eu vejo paredes a mais. "

30.10.09

nightclubbing

Hoje, depois de muito tempo, o ser vai existir.

a justificação da retaliação


Tal como todo aquele que nunca viveu entre os seus iguais e para quem a ideia de «retaliação» é tão inacessível como, por exemplo, a noção de «igualdade de direitos», proíbo a mim próprio, nos casos em que me fazem alguma tolice, quer pequena quer muito grande, qualquer represália, qualquer medida de protecção — e também, logicamente, qualquer defesa, qualquer «justificação». A minha maneira de retaliar consiste em mandar tão depressa quanto possível um gesto inteligente no encalço do gesto estúpido: assim, talvez ainda seja possível apanhá-lo. Falando por metáforas, mando um frasco de compota, para me livrar de uma coisa azeda... Assim que me fazem alguma maldade, eu «retribuo», disso podem estar certos: em breve, encontro uma oportunidade para exprimir a minha gratidão ao «malfeitor» (e, às vezes, até para agradecer a malfeitoria) ou para lhe pedir alguma coisa — o que pode obrigar mais do que dar alguma coisa... Além disso, parece-me que mesmo a palavra mais grosseira, mesmo a carta mais impertinente ainda são mais benévolas, mais honestas, que o silêncio. Nos que se calam, há quase sempre falta de delicadeza e de cortesia sinceras; o silêncio é uma reserva, engolir tudo causa necessariamente mau carácter, e até estraga a digestão. Todos os que se calam são dispépticos. Já se vê que eu não gostaria que se menosprezasse a impertinência, que é de longe a forma mais humana de contradição e, no meio da edulcoração moderna, uma das nossas primeiras virtudes. Desde que se seja suficientemente rico para tanto, até é uma felicidade não ter razão. Um Deus, que viesse à Terra, não poderia senão fazer mal: tomar sobre si não o castigo, mas sim a culpa, eis o que seria propriamente divino.


Nietzsche, em Ecce Homo

a solução mais fácil


Fuck what you know. You need to forget about what you know, that's your problem. Forget about what you think you know about life, about friendship, and especially about you and me.

esquecer é sempre a solução mais fácil e a mais mentirosa. nunca se esquece - pode é nunca se aprender a viver com o que se diz esquecer. mas vive-se, mesmo vivendo erradamente?
mesmo o que é errado existe e é o erro que não permite o esquecimento. vive-se a tentar esquecer o erro, quando é a nossa obsessão por ele que nos faz esquecer de viver!

29.10.09

eles fizeram-me arma de suicídio, como a muitos



a ver o mundo, a fazer do mundo o meu campo de batalha e o meu parque de diversões; a fugir do mundo no momento do sonho, a seguir o mundo quando acho que ele anda a tramar alguma, a ignorar o mundo por ter medo de errar, a acarinhar o mundo pelo mal que lhe andam a fazer, a querer salvá-lo; eu, mudá-lo.
falta alguma coisa. falta-me sempre qualquer coisa: como o ser humano é insaciável. eu tenho sede de justiça, de liberdade, de amor, de calma, de paixão, de revolta, de loucura, de lucidez, do sonho e da obra feita.
como podemos sentir as coisas - ver a diferença de rostos e de opinião, não como defeito, mas como aquilo que faz o mundo tão fabuloso; ver como somos iguais - como fraquejamos todos e nos levantamos de alguma maneira; ver como a voz do mundo depende de cada um - "se ela se cala (a voz) a culpa é minha".

uma vénia aos que pensam, aos que lutam, aos que agem, aos que procuram, aos que morrem pela causa, aos que não se rendem ao comodismo. uma vénia à revolta com razão. uma vénia ao povo que é e será sempre soberano. uma vénia à diferença pessoal, uma vénia à igualdade social.
uma vénia ao mundo - meu e de todos.

dar-lhe-ei a minha voz e ele não se calará! nem que tenha de ficar sem ela...

página 78



"(...)
Simão Botelho amava. Aí está uma palavra única, explicando o que parecia absurda reforma aos dezassete anos.
Ama Simão uma sua vizinha, menina de quinze anos, rica herdeira, regularmente bonita e bem-nascida. Da janela do seu quarto é que ele a vira a primeira vez, para amá-la para sempre. Não ficara ela incólume da ferida que fizera no coração do vizinho: amou-o também, e com mais seriedade que a usual nos seus anos.
Os poetas cansam-nos a paciência a falarem do amor da mulher aos quinze anos, como paixão perigosa, única e inflexível. Alguns prosadores de romances dizem o mesmo. Enganam-se ambos. O amor aos quinze anos é uma brincadeira; é a última manifestação do amor às bonecas; é tentativa da avezinha que ensaia o voo fora do ninho, sempre com os olhos fitos na ave-mãe, que está da fronde próxima chamando: tanto sabe a primeira o que é amar muito, como a segunda o que é voar para longe.
Teresa de Albuquerque devia ser, porventura, uma excepção no seu amor.
(...)
E este amor era singularmente discreto e cauteloso. Viram-se e falaram-se três meses, sem darem debate à vizinhança, e nem sequer suspeitas às duas famílias. O destino que ambos se prometiam era o mais honesto (...)"


Camilo Castelo Branco, em Amor de Perdição