21.7.13

O CAPACETE DESFEITO OU O CORREIO DA MANHÃ, UM JORNAL DO POVO




Ontem acordei como espero não acordar nos próximos tempos. A minha mãe trazia-me na bandeja do pequeno-almoço a notícia de que o meu irmão, o Bruno, tinha sofrido um acidente de mota.
A sua expressão facial facilmente me deixava perceber a gravidade da situação e sentei-me, ainda meio atormentada por ter acabado de acordar, pronta para a ouvir. A primeira coisa que me disse foi que ele estava no hospital e que se encontrava gravemente ferido. Estava confusa, talvez por ainda não ter acordado direito, e queria saber mais. Contou-me, então, que o Bruno estava a voltar do trabalho, por volta das 7h30 e que, num cruzamento, devido a um carro que seguia em excesso de velocidade, se tinha dado o embate.
O telemóvel da minha mãe não parava de tocar e cada telefonema trazia novas informações: o condutor era secretário da Embaixada de Angola, tinha passado dois sinais vermelhos e tinha utilizado indevidamente a imunidade diplomática, recusando fazer o teste do balão; o meu irmão estava no Hospital de S. José, em Lisboa, em estado de coma, ia ser operado a uma perna e estava com um traumatismo craniano.
A situação era grave e ele corria risco de vida. O Sr. Anónimo, secretário da Embaixada de Angola, seguiu com a sua vida e foi para casa descansar.

Hoje acordei como espero não acordar nos próximos tempos. A minha mãe trazia-me na bandeja do pequeno-almoço a notícia de que o Correio da Manhã tinha publicado um artigo nada rigoroso acerca do acidente do Bruno.
A sua expressão facial facilmente me deixava perceber a gravidade da situação e sentei-me, ainda meio atormentada por ter acabado de acordar, pronta para a ouvir. A primeira coisa que me disse foi que tinham alterado os papéis desta história. Estava confusa, talvez por ainda não ter acordado direito, e queria saber mais. No entanto, levantei-me e fui comprar o jornal. A notícia é a que aparece na imagem que ilustra este texto. O jornalismo é pouco assertivo, deturpa os factos, induz em erro, iliba o verdadeiro culpado e corrói uma família que já se encontra suficientemente ferida.

Sempre acreditei no ser humano e deve ser por isso que me custa tanto aperceber-me da quantidade de pessoas moralmente apodrecidas que vagueiam por aí, com o propósito inicial de espalhar o seu cheiro nauseabundo pelo mundo, cheiro esse que contamina o ar que todos respiramos e que é, hoje em dia, o perfume favorito de muitos.
Um diplomata honesto, um polícia competente e um jornalista bem informado não fariam com que o meu irmão se levantasse da maca do hospital curado, mas poupar-me-iam este cheiro insuportável, esta sensação de enjoo aliada à tristeza e à preocupação, este ambiente fétido com o qual não consigo lidar. Defendi muitas vezes os diplomatas, os polícias e os jornalistas das generalizações que eram feitas por amigos meus em conversas de café, talvez por ter sido sempre uma escrava do bom senso e por achar que uma classe não deveria ser julgada por meia dúzia de maus profissionais que a compunham. Hoje acho que compreendo melhor as pessoas que não aceitam erros vindos deste tipo de gente. Aconteceu com a minha confiança o mesmo que sucedeu com o capacete do meu irmão: ela desfez-se, deixou de me proteger e magoou-me na cabeça.

por Bruna Lopes

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