13.3.17

dois

Há secretismo em todos os trajetos para casa, cansados ou bêbedos. O segredo é das pessoas, das suas histórias e é das suas intenções. Guardam-se as penitências pessoais em caixas de sapatos e as pistolas cheias de fogo debaixo da almofada. Já não há fotografias que valham a pena, nem pedras, nem flores: basta que a memória desperte calada e os objetos, no momento seguinte, deixam de fazer sentido. 
Desaperto os botões da minha ligeireza e deito-me numa cama que arde. Fui eu que a fiz. Sou eu que a faço sempre e sou sempre eu, também, que me levanto queimada e persisto no estado incendiário das minhas escolhas.
Juro que é mais fácil do que o que parece, se nos atirarmos adormecidos e teimarmos em permanecer numa sonolência esquecida. 
Sabe-se que a vida é propensa à virtude e, portanto, ao clamor. Assim, o nosso segredo mais bem guardado pertencerá sempre à morte. De cada vez que o revisitarmos, queimaremos e consentiremos em calar-nos e em morrer mais um pouco. Tudo à nossa volta tornar-se-á mais difícil, mas inegavelmente mais bonito de ser vivido, porque, através dos nossos olhos, nenhum par verá o mesmo.

Que se partilhe tudo o resto - a meritória beleza dos vivos. Guardem-se os sopros virados para dentro e o indicador à frente da boca, à espera que o céu apontado seja o lugar merecido para se esconder o que deve ser permanecido quase esquecido. Vou espreitar os incêndios por cima da minha cabeça e, como sempre, dentro de alguns dias estarei de volta, restabelecida, pronta para dar um nome à cura.


No entanto, eu sei que a cura não tem nome. Guardo essa informação escrita a caneta na minha mão esquerda, perto do pulso, para me lembrar de não morrer até ao fim à procura.

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